O
eclipse solar, tema deste poema verbo-visual que fala de destruição e recriação,
envolve batalhas religiosas e estéticas que são travadas em séculos distintos.
No século XVII, Don Cristóbal, um
sacerdote andino convertido ao cristianismo, se sente perseguido por um círculo
branco, o Sol da meia-noite, que não se rendeu ao poder da cruz, a qual está inscrita
na própria página branca do poema.
Muito depois, no século XX, o Sol do
meio-dia é recoberto na Rússia pela cruz do quadrado negro, cujas lados irregulares
sofrem convulsões e dão origem ao quadrado branco e ao círculo invisível da
arte e da religião desmaterializadas, como testemunha o manifesto de 1923, “O
espelho suprematista”, de Kazimir Malévitch.
No poema, os dois momentos históricos são “contemporâneos” graças à ação de um simples clipe (versão irônica do prego sagrado), que é capaz de uni-los na folha em branco, na qual convivem círculos e quadrados andinos e russos.
Os símiles “homéricos” e as prosopopeias
“maias” criam totens verbais, que são versos dispostos sobre prosa. Estão
precedidos no livro por esboços de glifos ameríndios e por esboços de letras
gregas, que são os pré-totens que anunciam, em sua desordem de massa nebulosa
visual, o advento (ou a preparação) da mensagem totêmica. Essa alternância de
imagens com palavras não se interrompe até o final do livro.
Os totens verbais proclamam publicamente
(é a função original dos totens indígenas) temas de interesse geral, como novas
“tiranias” no hemisfério sul, valendo-se, para tanto, exclusivamente da
perspectiva de objetos, plantas, animais, nuvens, reflexos... (Os seres humanos
são recrutas, jardineiros munidos de foice ou incautos banhistas açoitados por
grãos de areia, que pretendem alertá-los sobre o que virá.)
O elemento grego e o elemento ameríndio
configuram o testemunho dos inumanos, enquanto agem (símile) e se expressam
(prosopopeia) como profetas.
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